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Juristas divergem sobre legislação relativa à rádios comunitárias

Iara Falcão
Repórter da Agência Brasil
06/01/2005

Brasília — O juiz federal aposentado Paulo Fernando Silveira faz várias críticas à legislação que regula as rádios comunitárias. Para ele, não é ilegal ter uma rádio comunitária sem autorização. "É lícito e constitucional, porque no artigo 5º da Constituição Federal diz taxativamente que a comunicação é um direito fundamental que pode ser exercido independente de lei", afirma. Segundo o inciso IX do artigo 5o da Constituição brasileira, "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

Autor de um livro sobre a radiodifusão comunitária, Silveira diz que o governo só pode restringir os direitos fundamentais se houver um interesse real e concreto da sociedade para defender. E acrescenta que a Constituição deve prevalecer sobre as leis comuns. "Lei é a vontade dos legisladores com a anuência do Executivo, dos órgãos eleitos. Mas a Constituição é a vontade do povo. A lei tem que se adequar à Constituição, e não o contrário", defende.

Por outro lado, a Lei Geral de Telecomunicações (9.472/97) define o espectro de radiofreqüência como um recurso limitado, "constituindo-se em bem público", e a própria Constituição Federal, no artigo 223, diz que é competência do "Poder Executivo a outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviço de radiodifusão sonora".

O advogado Paulo Castello Branco explica: "Na radiodifusão, o sistema não comporta todo mundo ter uma rádio". O juiz rebate. Baseado no artigo 30, inciso I, da Constituição, defende que o interesse local não é competência da União e sim do município, o que invalidaria a lei que institui as rádios comunitárias. "A lei 9.612/98 é inconstitucional no todo", afirma. Assim, apenas as rádios que têm alcance nacional dependem da outorga do Poder Executivo federal para funcionarem. As comunitárias, por terem baixa potência e alcance restrito, estariam sujeitas ao Poder Executivo municipal. "Cada ente político tem sua esfera privativa de competência. Então, se a competência é municipal, a União não pode entrar naquele assunto. Aí, a lei federal é inconstitucional".

Para Silveira, as leis utilizadas para punir com detenção os responsáveis por rádios comunitárias clandestinas também não deveriam ser aplicadas, já que a Constituição separou telecomunicações de radiodifusão (artigo 21, incisos 11 e 12 respectivamente). Segundo o juiz, o artigo 183 da Lei Geral de Telecomunicações não pode ser aplicado à radiodifusão, porque a lei é específica para telecomunicações. Já o artigo 70 da lei 4.117/62, que foi mantida no que se refere à radiodifusão, também não poderia ser aplicado. O artigo se refere a telecomunicações e não à radiodifusão. "Os termos em Direito Penal têm que ser específicos e fechados. Não podem ser interpretados amplamente. Teria que falar radiodifusão. Como não fala, não pode ter crime", conclui.

Outras interpretações consideram que o Estado, quando não consegue prestar o serviço e demora demais para decidir – caso das autorizações do Ministério das Comunicações –, desrespeita o devido processo legal. Com base nessa argumentação, em 2003, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça indeferiu o pedido da Anatel de suspensão da decisão do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, que abrange o Rio Grande do Sul.

O TRF havia permitido que a rádio de uma associação comunitária de Porto Alegre (RS) continuasse funcionando até que fosse apreciada a habilitação da mesma pelo Poder Executivo. "Toda autoridade pública tem obrigação de responder aos requerimentos que forem feitos dizendo ‘concedo’ ou ‘não concedo’ com as justificativas", atesta Silveira.

Assim como Silveira, outros juízes já negaram pedidos de busca e apreensão da Polícia Federal contra rádios, por interpretarem as leis de maneira a beneficiar os proprietários das rádios comunitárias. O desembargador federal José Luiz Germano da Silva, que se aposentou no final de 2004, também negou a emissão de mandados de busca e apreensão, afirmando na rejeição da denúncia que mesmo "o fato de a rádio inserir publicidade em sua programação não denota, por si só, fins lucrativos. Sendo a rádio vinculada a uma associação civil, certo é que, para funcionar, tem seus custos, e, nada impede que tenha renda, até mesmo para custear suas despesas operacionais, não se confundindo isto com auferição de lucro pela diretoria ou associados". Sobre a conduta do administrador da rádio, que a faz operar sem a devida autorização, Silva decretou que "constitui-se em ilícito administrativo, mas é penalmente irrelevante, ensejando a rejeição da denúncia".

Da mesma forma também julga o juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, da 12ª Vara e Juizado Especial Criminal Adjunto do Distrito Federal.