Entrevista com o superintendente de fiscalização da Anatel
André Deak
Repórter da Agência Brasil
06/01/2005
Brasília — Para explicar como funcionam as ações de fiscalização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), no que diz respeito às rádios não licenciadas, o superintendente de radiofreqüência e fiscalização da Anatel, Edílson Ribeiro dos Santos, recebeu a reportagem da Agência Brasil em seu escritório em Brasília. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.
Agência Brasil - Foram realizadas, até novembro de 2004, 162.672 ações de fiscalização pela Anatel, de uma previsão de 181.751 ações (89,5%). Como é feita essa previsão do número de rádios a serem fiscalizadas?
Edílson Ribeiro dos Santos - Todo planejamento parte de um trabalho que começa juntando relatórios de outros órgãos do governo, demandas de nossas superintendências técnicas, consultando também dados estatísticos de denúncias de radiointerferência, de uso não autorizado do espectro, solicitações do Ministério Público, da Justiça e do Legislativo, para então definirmos as necessidades do ano seguinte.
Confrontamos isso com nossos recursos, e fazemos um ajuste, levando em consideração se o serviço é público e de interesse coletivo, se é privado de interesse coletivo e, por último, que é a menor demanda, se são limitados de interesse restrito. A prioridade são os serviços de interesse coletivo, mas, associado a isso, temos os objetivos estratégicos da agência. Feito isso, emitimos as diretrizes para elaboração do plano operacional, em que você tem aquelas ações que chamamos de sistêmicas – já previstas inicialmente – e outras, em que alocamos horas para atender demandas provenientes das denúncias.
ABr - Até setembro de 2004, de acordo com um relatório da Anatel, foram instaurados 1.388 processos de fiscalização para "não-outorgadas", a maior quantidade entre os outros grupos. O que é isso?
Edílson Ribeiro - A não-outorgada é a clandestina. A penalmente denominada de clandestina – aquela que não tem nenhuma autorização para explorar nem o serviço, seja de telecomunicação, seja de radiodifusão, porque temos um conjunto de clandestinas também na área de telecomunicações. Você pode ter radioamador clandestino, rádio-táxi clandestino, telefone clandestino... Você pode ter até uso de satélite clandestino – agora mesmo recebemos denúncia dos EUA de que temos brasileiros utilizando um satélite americano. Não é só radiodifusão.
ABr - Do total, qual seria a percentagem de rádios?
Edílson Ribeiro - Cerca de 60% é a utilização não autorizada na faixa de radiodifusão. E 40% seriam outros serviços de telecomunicações. Desses 60%, 25% apenas é que estariam contidas no limite de 25 watts de potência, que foi estabelecido por lei para Rádios Comunitárias. Todo o restante tem potência acima de 25 watts. De qualquer forma, todas são clandestinas. Para ser Radcom, a primeira obrigação é estar constituída nos termos da lei 9.612 e adicionalmente o Código Brasileiro de Telecomunicações.
ABr - Quais são as penas previstas?
Edílson Ribeiro - Aquelas que não tem licença têm duas penas: uma é a sanção administrativa – que, a depender do serviço (que ela esteja operando clandestinamente) pode ir até R$ 50 milhões. E existe mais uma ação penal, que pode ser de dois a quatro anos de detenção. Na esfera administrativa, ela será penalizada com uma multa.
ABr - Sempre acontecem essas duas penalidades?
Edílson Ribeiro - Com certeza absoluta. Só não recebe pena administrativa quando não se consegue localizar o responsável. Chega a fiscalização, os equipamentos estão lá, mas não tem registro, não tem nada.
ABr - A sanção penal vai para as pessoas que estão presentes?
Edílson Ribeiro - A penal vai para as pessoas responsáveis que estão ali. Normalmente você identifica um radialista que está lá, mas, como ele não representa aquilo ali – está sendo utilizado –, termina se safando. Na penal, só é possível penalizar quando a Justiça ou a PF identifica o responsável pela exploração da estação. Nesse caso, é a PF que investiga.
ABr - Como é o apoio da PF?
Edílson Ribeiro - Vamos dizer que a PF esteja investigando um crime de tráfico de drogas. Instaura o inquérito policial, pega todas as provas, ouve as pessoas e faz um dossiê. Pega esse conjunto todo e manda para o MP, para que o MP ofereça a denúncia ao juiz. O juiz analisa e, se entender que está tudo certo, dá andamento ao processo e instaura o processo pra aplicação dessa sansão penal. Só o juiz pode determinar uma sanção penal, nem o MP pode. No caso de rádio clandestina, é a mesma coisa. Normalmente a Anatel recebe uma denúncia de que tem uma rádio operando clandestinamente.
A primeira providência que a Anatel toma é fazer uma notificação pra essa entidade dizendo: eu tenho uma denúncia de que você está operando uma rádio clandestinamente, você tem 5 dias para se defender administrativamente e, se você estiver operando, você pode querer não sair do ar, sob pena de, não o fazendo, nós irmos lá interromper, porque ninguém pode utilizar o espectro sem a devida autorização do Estado.
Se ela não sair do ar, ou se a defesa dela não apresentar a licença correspondente, a fiscalização vai lá e interrompe a transmissão. Se ela não for interrompida ou se resistir à ação da fiscalização, o que a fiscalização faz? Instaura um processo administrativo contra ela e informa a PF para que a PF solicite o mandado de busca e apreensão à justiça e, com isso, proceda a ação e faça apreensão dos equipamentos correspondentes e instaure o devido inquérito policial para que a pessoa seja processada e julgada pela Justiça.
ABr - Mas, pessoas com quem conversamos disseram que não ocorre notificação, e sim uma ação imediata da PF.
Edílson Ribeiro - Normalmente, isso acontece porque já são ações reincidentes. Se não foi recebido, houve uma ação antes. Além disso, esse procedimento de notificação foi implementado a partir de 2004. Na verdade, nem é preciso fazer a notificação. Como é um ato delituoso, e sendo em flagrante, qualquer pessoa do povo pode até dar voz de prisão. Ninguém faz isso porque ninguém quer levar um tiro à toa. Mas o código do processo penal permite que, em flagrante delito, se você estiver ali na rua e encontrar uma pessoa querendo agredir outro, se você quiser e se tiver condições disso, pode dar voz de prisão. Pode levar a uma autoridade policial e dizer: peguei esse aí, estava querendo matar o outro...
O oficial vai aceitar isso e vai prender, fazer o auto de flagrante. Mas a autoridade deve, se a PF tiver conhecimento de que uma estação está operando, ela deve (é dever - não é pode, deve) agir. Nós, administrativamente, fazemos o aviso, mas só que 90% das estações que estão funcionando por aí já sofreram uma ação da fiscalização e voltaram a operar normalmente. Muda de local, de nome, mas os proprietários continuam sendo os mesmos. Hoje, estamos notificando 10%, porque os outros, não tem sentido. Já fiscalizou, já disse que estava cometendo crime de desobediência...
ABr - Quantas dessas rádios clandestinas são, na verdade, comunitárias?
Edílson Ribeiro - Muito poucas. Na ordem de 25% dessas que são interrompidas estão no limite de 25 watts. E dessas, na grande maioria o sistema irradiante não obedece o que a lei diz, que são 30 metros, a irradiação de 1 quilômetro de raio, não fazer propaganda, nada disso é obedecido. Então, na verdade, na essência, pouquíssimas delas são efetivamente comunitárias. Se fossem, resolver no Ministério das Comunicações não seria difícil. Se você é efetivamente comunitário e tem toda documentação, resolver no Ministério não é problema. A grande maioria das pendências do ministério, pelo que nós sabemos, é diligência porque as próprias interessadas não dão entrada na documentação exigida.
ABr - Alega-se que a burocracia é muito grande.
Edílson Ribeiro - Sabia que hoje temos mais comunitárias legalizadas do que FMs comerciais? Vou te dar um exemplo rápido, para mostrar que isso não é tão verdadeiro assim. Só a partir dos anos 1970 é que começou a se criar rádio FM aqui no Brasil, e de 1970 até o segundo semestre de 2004, 34 anos depois, existem 2.175 estações. A lei de rádio comunitária é de 1998 – e já temos mais rádios comunitárias do que FMs, são 2.190. Em 6 anos, ultrapassamos aquilo que foi feito em 34 anos. Então, não é tão lento assim.
ABr - Existe espaço pra todo mundo?
Edílson Ribeiro - Para todo mundo, eu não diria. Em alguns locais é possível, mas em outros é impossível. Por exemplo, São Paulo: os grandes centros são mais complicados, porque é uma faixa de freqüência limitada. É como um copo, não posso colocar mais água do que cabe. Caso contrário, o que acontece? Transborda, vou entrar pelo lado, e aqui do lado tenho radiocomunicação aeronáutica. E é por isso que dá interferência. Porque radiocomunicação de aeronaves está aqui, bem do ladinho. Então, o que você tem que tentar fazer é o uso do máximo espaço possível, mas não se pode agradar a gregos e troianos.
ABr - Por que as faixas destinadas às comunitárias, entre 87,4 e 87,8 MHz, não estão no dial (que começa em 88,0 MHz)?
Edílson Ribeiro - Já estão. Os novos equipamentos já têm essa facilidade. E hoje é muito fácil e barato comprar um rádio, é mais fácil que antigamente.
ABr - Como é possível que uma transmissão de rádio clandestina interfira em comunicação aeronáutica?
Edílson Ribeiro - Com certeza absoluta, e não é difícil. No aeroporto de Brasília, temos recebido várias denúncias. Quando a interferência pode causar risco de vida ou interfere em comunicação de ambulância, de polícia ou na navegação aeronáutica, a solução é imediata. Tem que desativar. Se não desativar, vamos lá e desativamos no pau.
ABr - Os ficais da Anatel têm poder de polícia? Podem cumprir mandados sem a PF?
Edílson Ribeiro - Podem. Eles têm poder de polícia administrativa. Mas a PF participa por dois motivos: primeiro, quando é uma ação administrativa da Anatel, a PF pode acompanhar o agente para lhe dar segurança física, porque nossos agentes não usam armas. Nós pedimos o apoio da PF pra nos dar cobertura e salvaguarda ao nosso agente.
Está expressamente estabelecido que, caso haja impedimento, os agentes poderão solicitar apoio tanto da PF como da PM para garantir o seu dever de fiscalizar. Na outra, a ação da PF é para cumprir mandado de busca e apreensão determinado pela Justiça. E aí é nosso agente que vai como apoio à PF, para prestar apoio técnico na interrupção, onde vai desligar, como vai tirar sem causar dano aos aparelhos – porque somos especialistas nessa área. São duas coisas distintas.
ABr - A PM já atuou?
Edílson Ribeiro - O apoio é mais da PF mesmo. Mas no interior, nem sempre o agente tem a PF à disposição para poder lidar com a fiscalização. Nesse caso, ele solicita a PM, mas nós adotamos como regra o apoio da PF. Mas nem sempre isso é possível.
ABr - O que acontece com equipamentos confiscados?
Edílson Ribeiro - Quando existe mandado – e uma ação da polícia que faz busca e apreensão –, esses equipamentos devem ficar à disposição da Justiça, porque são prova de um delito. Transitou e julgou o processo, normalmente a Justiça determina a transferência desses bens para a Anatel, nos termos da Lei Geral de Telecomunicações, particularmente do artigo 194.
Se o equipamento é um equipamento não-homologado pela Agência, a solução é passar um trator por cima e destruí-lo, porque não há como fazer essa homologação. Se é um equipamento homologado, aí a Anatel pode dar qualquer destino, inclusive, por exemplo, doar a uma rádio autorizada de uma universidade. Mas nunca tivemos um caso desse tipo... O normal é a gente destruir.
ABr - E as fiscalizações em rádios comerciais?
Edílson Ribeiro - A quantidade de infrações é mais ou menos a mesma. Mas o serviço de radiodifusão outorgado vai passar para o Ministério (das Comunicações) a partir de 1º de janeiro. Vamos fiscalizar, emitir laudo e mandar pro ministério. A Anatel ficará apenas com não-outorgada.
ABr - A fiscalização de radiodifusão tem aumentado?
Edílson Ribeiro - Nosso foco maior de fiscalização é telefonia fixa, móvel e universalização: esses vão ser os grandes focos para 2005. Vão consumir 70% do nosso esforço.
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