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Rádios fechadas em Belo Horizonte acusam operação da PF de violência desnecessária

Cibele Maciel
Repórter da Agência Brasil
06/01/2005

Brasília — "Jamais imaginaria que, depois de um trabalho de cinco anos feito pela comunidade, a polícia faria o que fez aqui. Quando cheguei, o agente da PF estava atrás da porta, fortemente armado. Colocou o revólver na minha cabeça e pediu que eu deitasse no chão, de costas. O mais vexatório é que fui algemado e obrigado a percorrer praticamente toda a comunidade sem que as pessoas soubessem o que estava acontecendo". Quem faz essa narração é o diretor da Rádio Digital, Eduardo Martins, uma das rádios fechadas pela Polícia Federal em Belo Horizonte na operação chamada "Capitão Gancho".

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), encarregada pela fiscalização das rádios sem licença de funcionamento, considera "grave" o caso de Belo Horizonte, onde somente em novembro de 2004 foram julgadas 63 emissoras não-outorgadas. Um ano antes, a Anatel, a PF, a Justiça Federal e o Ministério Público Federal discutiam uma forma de fiscalização e repressão mais eficaz, "que culminou com a operação da Polícia Federal no dia 25 de outubro, na qual promoveu-se a execução de mandados de busca e apreensão em 14 entidades não outorgadas e 3 links [aparelhos de retransmissão]. Todas eram reincidentes", diz o relatório da Anatel.

No mesmo dia, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), com representantes em 17 estados brasileiros, divulgou um documento repudiando a ação. No texto, a instituição afirma que "comunicadores populares foram algemados, tratados como bandidos, autuados em flagrante, sob a mira de metralhadoras". Para o coordenador de comunicação da Abraço, José Guilherme Castro, pior do que a violência física é a "violência psicológica", devido à presença da Polícia Federal.

O gerente da regional de Belo Horizonte da Anatel, José Dias Coelho Neto, explica que o papel da Polícia Federal é executar o mandado expedido pela Justiça. Quanto às denúncias de violência desnecessária, ele exige que sejam apresentadas formalmente à Anatel para averiguação. "Que então se abra um processo administrativo. Primeiro, a Anatel nunca fez isso (fechar rádios com violência). Segundo, a Polícia Federal pode até ter feito isso, mas quando se sentiu obrigada, por força de uma reação agressiva das partes. Normalmente, a Polícia Federal não age dessa maneira e a Anatel muito menos, até porque não é essa a nossa orientação".

A Rádio Constelação FM, formada por portadores de necessidades especiais, cegos, em sua maioria, foi outra rádio fechada na mesma operação. O diretor, Roberto Emanuel, também acusou os policiais de agirem de forma truculenta e despreparada. "Três agentes da Polícia Federal chegaram armados, com outros três agentes da Anatel. Acho que, quando eles viram que eram só deficientes, se envergonharam. Não precisava apontar arma pra gente, porque a gente não enxerga", disse. Emanuel disse que, depois, foi obrigado a ir à delegacia prestar depoimento: "como se eu fosse um marginal nocivo à sociedade. Quando perguntaram de onde tinha saído o dinheiro para comprar o equipamento, eu disse, bem claro, que era de esmola no trânsito. E vou continuar pedindo esmola, para que a gente possa colocar nossa rádio no ar".

De acordo com a Anatel, somente no estado de Minas foram concluídas 6.018 ações de fiscalização de janeiro a setembro deste ano. Das 14 emissoras fechadas na Operação Capitão Gancho, de acordo com Emanuel, da Rádio Constelação, nove delas fizeram um acordo entregando os equipamentos e cestas básicas em troca do arquivamento do processo.