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Telecentros Comunitários:
peça chave da Inclusão Digital

Rodrigo Assumpção

O nascimento de um projeto de política pública

O Projeto sampa.org nasceu como uma articulação liderada pelo Instituto de Políticas Públicas Florestan Fernandes (IFF), unindo empresas, entidades da sociedade civil, entidades sindicais e instituições de ensino e pesquisa. A idéia era realizar um projeto de referência, utilizando as novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e articulando comunidades, empresas e instituições da sociedade civil em um projeto de Inclusão Digital. No primeiro momento, tratava-se de utilizar as Tecnologias de Informação e Comunicação para democratizar as relações da sociedade com o poder do estado. Esses desejos de transparência, cidadania e monitoramento das atividades administrativas fundiram-se no projeto com o conceito de Inclusão Digital, conceito que desta forma ganhou dimensões mais amplas e qualificadas, passando a significar muito mais do que a mera alfabetização digital.

Um debate que muito influenciou a concepção e a implantação do sampa.org foi o debate sobre qual seria a proposta de política pública para o governo eletrônico de São Paulo, compatível com uma administração municipal comprometida com princípios democráticos, participação cidadã nas decisões e a necessária transparência dos atos públicos. Este debate ocorria no IFF, ao longo do primeiro semestre de 2000, em consonância com sua missão de preparar políticas públicas para a cidade de São Paulo. Na verdade, chegou-se à conclusão de que os altos índices de exclusão digital, já discutidos, fariam que qualquer proposta de governo eletrônico servisse apenas para aprofundar a divisão entre aqueles que têm e os que não têm acesso às TICs, favorecendo e fortalecendo ainda mais aqueles segmentos sociais que gozam de acesso desproporcional ao governo e à participação política.

Desta forma ficou claro para o IFF que, paralelamente a uma proposta detalhada, coerente e progressista de política de governo eletrônico para a Prefeitura de São Paulo, caberia propor também uma política pública de Inclusão Digital que permitisse ao governo da cidade enfrentar os graves números da exclusão digital. A articulação de empresas e entidades da sociedade civil, então já batizada de sampa.org, tinha mais uma missão: disseminar o uso da tecnologia e do acesso à informação para consolidar um processo democrático, servindo como referência para a implantação de políticas de ação estatal. Assim, foi um processo que nasceu na sociedade civil, e teve como meta maior servir de base para o poder público atuar no processo de Inclusão Digital.

Com idéias ainda genéricas, o grupo inicial realizou vários contatos com empresas e instituições e conseguiu aglutinar parceiros importantes formando um núcleo básico que atestava a viabilidade da proposta e se dispunha a reunir, juntamente com um significativo investimento por parte do IFF, os recursos humanos, materiais e financeiros necessários. A partir desta etapa, as adesões ampliaram-se e diversificaram-se. Com um núcleo de empresas e entidades da sociedade civil e tendo suas ações disciplinadas por um conjunto de documentos estabelecidos de comum acordo, formou-se, oficialmente, o Comitê Técnico do Projeto sampa.org. Deste grupo de debate, elaboração, reflexão e de viabilização das ações, participam empresas, entidades sindicais, instituições da sociedade civil, e instituições de ensino e pesquisa.

Paralelamente à constituição do Comitê Técnico do Projeto sampa.org começava o processo de articulação com a comunidade do distrito de Capão Redondo, freqüentemente apresentado pela mídia como o lugar mais violento e mais abandonado pelo poder público, na cidade de São Paulo. Certamente, é uma área de intensa exclusão social, isso é claramente apontado pelo mapa da inclusão/exclusão . Apesar da violência e da exclusão social ser um fato inconteste, esta região possui uma intensa e enraizada produção cultural, é o berço do Hip Hop na cidade, possui uma significativa rede de entidades comunitárias com uma história de organização intensa de mais de trinta anos de ocupações de áreas contestadas e conflitos vinculados ao movimento de luta pela moradia. Além de encontrar em Capão Redondo a população de excluídos digitais e uma malha muito estruturada de entidades comunitárias para serem parceiras, foi de fundamental importância a parceria estabelecida, desde o início, com uma instituição de ensino superior, localizada no centro geográfico da área escolhida. O Centro Universitário Adventista tornou-se, desta forma, o pólo local de suporte, manutenção e capacitação dos participantes, bem como a sede operacional na região.

O processo de envolvimento e convencimento das entidades comunitárias foi iniciado assim que o núcleo de organizadores conseguiu o compromisso inicial de doação dos primeiros equipamentos para a implantação. Iniciou-se, então, um processo de contato com várias lideranças da comunidade por meio de reuniões para apresentar e explicar a proposta. O movimento de moradia é a origem de boa parte dessas entidades comunitárias. A luta pelo espaço para ocupar e construir moradias desemboca, naturalmente, na luta por melhorias nos bairros recém-criados. As associações de moradores passam a organizar creches, centros de juventude, quadras esportivas, enfim, serviços necessários, à força da total ausência do Estado nestas localidades. Os elementos que serviram como focos de aglutinação e luta são vários: iluminação pública, saneamento básico, hospitais e postos de saúde, creches, centros de juventude, e mesmo coisas simples como receber e redistribuir as contas de luz dos moradores do bairro.

A estas atividades soma-se a preocupação de realizar atividades com jovens, oferecer não apenas esporte e lazer, mas processos educacionais e profissionalizantes. Tentam, desesperadamente, vencer uma batalha pelos “corações e mentes” de seus jovens. Batalha em que o inimigo é sedutor e brutal: o tráfico de drogas, a cultura da violência e a pouca perspectiva de futuro. A maioria das entidades trabalha com esportes, atividades culturais, cursos de línguas e cursos profissionalizantes, enfim, todos elementos cotidianos nestes focos de cidadania que são as entidades comunitárias. A proposta do Projeto sampa.org é permitir que a Inclusão Digital seja mais um destes elementos e que, como eles, esteja incorporada à vida destas comunidades.

Foram visitadas cerca de trinta entidades de perfis variados na região. As primeiras visitas tinham o objetivo de conhecer as lideranças, o trabalho realizado, as instalações, explicar os objetivos e examinar condições e necessidades para que estas comunidades sediassem um telecentro do sampa.org. Em seguida, realizaram-se reuniões com os freqüentadores, numa tentativa de averiguar a inserção das entidades em sua comunidade. Estas reuniões com a comunidade confirmaram o interesse e os mitos existentes sobre a informática e os computadores. A impressão, ao sair destas reuniões, era que a demanda seria muito maior do que a capacidade do Projeto de atendê-la. Isso até hoje é fato no sampa.org. A maioria das associações e movimentos visitados apresentou alto grau de inserção política e social em suas comunidades. Esse era um dos critérios necessários para ingresso no Projeto.

O segundo critério decisivo para a escolha das entidades foi a infraestrutura oferecida. Eram necessários a disponibilidade de uma linha telefônica e um ambiente com espaço e segurança adequados para a instalação do telecentro. A junção destes fatores é que determinou a escolha inicial de seis entidades, depois acrescidas de outras quatro, para sediarem os telecentros.

Só pela intermediação desses parceiros locais foi possível trabalhar com a comunidade de forma efetiva. O Projeto sampa.org não se propõe criar entidades novas na região onde atua, todos os telecentros são implantados em entidades já existentes, em parceria com pessoas que têm a organização e a articulação comunitária como meta, como eixo de sua vida. Como se considera herdeiro da rica tradição da educação popular e tem como princípio o respeito pela comunidade, o sampa.org atua fornecendo instrumentos para a continuidade da organização da comunidade, para que esta seja verdadeiramente sujeito de sua história.

O portal www.sampa.org foi imaginado como foco e complemento virtual dessa Rede Pública de Comunicação e Informação: lá se encontram todos os dados e informações sobre o Projeto, notícias de interesse da comunidade (agenda cultural, ofertas de empregos, informações sobre a administração), matérias jornalísticas sobre movimentos comunitários locais, serviços públicos, sites da comunidade e de outras entidades que participam da vida pública da cidade, tudo com facilidade de consulta e abertura para a participação pública e o diálogo com o usuário.

Primeiros passos

Vinte monitores foram escolhidos pelas entidades selecionadas e capacitados pela equipe do Centro Universitário Adventista para intermediar a relação cotidiana da comunidade com as TICs. É importante ressaltar a dedicação dos Agentes da Rede Pública que passaram por curso de capacitação específica para poder trazer para o Projeto propostas, idéias e iniciativas da comunidade que poderiam ser potencializados pela infraestrutura do sampa.org.

No dia 13 de julho de 2000, o Projeto sampa.org iniciou suas atividades com a abertura de seis telecentros comunitários. Dois meses depois, abriu outros quatro, todos instalados em parceria com entidades comunitárias da região de Capão Redondo e adjacências. Em cada um, funcionam dez computadores que acessam a Internet via linha ADSL (speedy). Para gerenciar a conexão à Internet, desenvolveu-se uma solução em Linux, que gerou um ganho em performance e uma economia significativa quanto ao licenciamento de software proprietário.

Os telecentros funcionam, em média, 12 horas por dia, sete dias por semana e oferecem cursos de informática e atividades de desenvolvimento cultural, social e econômico, baseados em TICs, além de livre acesso à Internet e correio eletrônico para a comunidade. Após um ano de funcionamento os monitores dos telecentros realizaram uma pesquisa de uso com os freqüentadores dos centros e apresentaram-na a todos, para compartilhar informações. Em média, há 14.000 horas/mês, ou seja, 3.500 horas/semana de sessões de acessos no telecentros. Como ainda não se utiliza tecnologia para controle de usuários individuais nas entidades, a contagem se dá por sessão de uso, sendo provável uma quantidade expressiva de usuários freqüentes que retornam mais de uma vez por semana. Os monitores estimam cerca de 1000 usuários por mês, em média. Quanto ao perfil, podemos dizer que o usuário, na sua maioria, é do sexo feminino (70%), na faixa etária de 13 a 17 anos de idade (60%). Mas não podemos esquecer que existem usuários acima de 60 anos de idade e abaixo dos 12 anos de idade, que são minoria, mas freqüentam os pontos (3%). Importante ressaltar que boa parte desses usuários nunca havia tido contato com o computador.

Quanto à navegação na Internet, a maioria dos jovens busca os telecentros para pesquisas escolares, uso de e-mail, salas de bate-papo e sites de entretenimento, artísticos e de curiosidades. Os adultos procuram os sites para correio eletrônico, pesquisa e notícias.

Os avanços mais imediatos relatados pelos usuários são melhor coordenação motora no manejo do mouse, maior desenvoltura no uso da rede, avanço no domínio dos aplicativos, familiaridade no uso do equipamento, a melhora na absorção e processamento de informações e o reconhecimento do telecentro e da entidade sede como centro de convivência comunitária.

Com estes parâmetros é que se iniciaram as atividades nos telecentros, voltadas para os monitores, os voluntários envolvidos com atividades diversas, os responsáveis políticos pelos telecentros e os usuários em geral e buscando alcançar os seguintes objetivos:

  1. alfabetizar tecnologicamente as camadas mais pobres da população, abrindo novas oportunidades de acesso à educação e cultura, de trabalho e de geração de renda;
  2. ampliar a participação ativa dos cidadãos na gestão pública e no controle do governo, alargando a esfera pública e tornando-a mais facilmente acessível;
  3. estabelecer novo patamar de cooperação entre comunidade, empresas e instituições, baseado nos interesses da maioria, na prevalência da racionalidade e da funcionalidade das soluções adotadas, na vigência da livre concorrência, no apoio à atividade empresarial ética, na busca do crescimento da competitividade global do município de São Paulo e no respeito estrito aos acordos e compromissos firmados entre as partes envolvidas;
  4. possibilitar às empresas e instituições envolvidas o conhecimento de expectativas, necessidades e problemas da população, para que seu comportamento, enquanto agentes econômicos e políticos comprometidos com a comunidade, seja pautado por uma visão de um papel social que vá além do assistencialismo e do marketing social;
  5. acumular experiência e dados que subsidiem a formulação de políticas públicas consistentes, baseadas em experiências concretas e numa análise de custo/benefício criteriosa, balizando a forma pela qual a sociedade de São Paulo poderá utilizar a malha de comunicação e informação para atingir os objetivos gerais do sampa.org.

O telecentro: um espaço de cidadania

Hoje, retomando a trajetória do Projeto sampa.org, é possível verificar que todos os objetivos foram alcançados em alguma medida, especialmente no que concerne à elaboração de uma política pública para o setor. E, claro, alguns outros objetivos foram surgindo no decorrer do processo, como, por exemplo, o de produzir informação e conhecimento, utilizando a rede para a disseminação desse conteúdo. Talvez a construção de uma rede pública efetiva seja o maior desafio do projeto, o próximo passo para qual os esforços devam ser canalizados. E o maior ganho até o momento, sob essa perspectiva, foi conscientizar a população da importância da inclusão digital e da utilização das novas TIC, não com o simples intuito de “ingressar no mercado” – o próprio espaço para “cursinhos” de informática vão, pouco a pouco, diminuindo nos telecentros pelo natural recuo da demanda – mas com a visão de que as TIC são ferramentas a serem utilizadas para uma relação mais ampla com a sociedade, para a absorção e difusão de informações e conhecimento.

A partir dessa crescente compreensão por parte dos usuários, e também pelo sucesso do curso de formação de Agentes de Rede, foram surgindo projetos comunitários que se utilizam das novas TICs para tomar corpo e impulso. Entre eles, alguns merecem destaque: o Projeto Centro de Informações Jardim Ângela e a Agência de Notícias Capão Online.

Numa parceria entre a Sociedade Santos Mártires e a Mitska, uma entidade e uma empresa integrantes do Projeto sampa.org, o Projeto Centro de Informações Jardim Ângela vem levantando e digitalizando todos os dados atualizados e confiáveis das áreas sociais do Distrito do Jardim Ângela, possibilitando uma melhor orientação e entendimento das necessidades e defasagens da região, e visando facilitar a implantação de projetos públicos e privados com um melhor aproveitamento e benefícios reais aos moradores locais. O levantamento já foi feito e a digitalização está em sua fase final, e logo esse mapa digital estará disponível na Rede.

Já a Agência de Notícias Capão Online é uma idéia nascida nos cursos que capacitaram Agentes de Rede. Moradores da região queriam mostrar que na periferia da zona Sul paulistana há muitas coisas positivas e esforços culturais e sociais, e não apenas o cenário de drogas e violência exibido pela mídia convencional. Através de oficinas coordenadas pelo ILDES (outro parceiro do Projeto sampa.org), eles tiveram aulas de redação, edição de notícias, fotografia, edição de imagens, etc. Hoje o site www.agenciacapao.sampa.org reúne as reportagens desse grupo.

O Projeto sampa.org também capacitou, no ano de 2001, 100 bolsistas de dois projetos sociais da Prefeitura de São Paulo, o Bolsa Trabalho e o Começar de Novo. O primeiro destina-se a jovens de 16 a 20 anos, desempregados, freqüentando a escola e pertencentes a famílias de baixa renda. Já o Começar de Novo é dirigido a adultos de 40 anos ou mais, desempregados há no mínimo seis meses e com o mesmo perfil sócio-econômico. No ano de 2002, essas atividades se repetem, desta vez com 60 bolsistas vindos dos dois programas sociais da Prefeitura.

O trabalho de capacitação visa proporcionar a esse grupo uma oportunidade de inclusão social por meio do desenvolvimento de novas competências. Os bolsistas estão sendo capacitados para atuarem no Projeto sampa.org pelo período de 6 meses nas seguintes funções: Monitores de Telecentros, Agentes de Suporte Técnico, Agentes da Rede Pública, Agentes de Coleta para Banco de Dados Comunitários, Agentes Comunitários de Notícias.

Inicialmente os bolsistas participaram de um curso básico de informática. Para quase todos, este foi o primeiro contato com o computador e com as novas tecnologias de informação. Alguns deles, analfabetos ou semi-alfabetizados, encontraram oportunidade de alfabetização por meio de aplicativos específicos. A partir daí, foram desenvolvidos conteúdos específicos para que os participantes pudessem desenvolver competências para atuação nas diferentes funções que compõem o Projeto sampa.org.

Os bolsistas que irão apoiar os Monitores dos Telecentros já estão atuando diretamente em seus locais de trabalho, aprendendo e ensinando a população que utiliza os computadores e acessa a Internet, pessoas que muitas vezes estão tendo ali seu primeiro contato com a máquina.

Os Agentes de Suporte Técnico estão sendo capacitados para realizarem manutenção e suporte técnico dos equipamentos de informática que existem nos Telecentros. O treinamento é dado por alunos e professores de computação do Centro Adventista de Ensino, universidade parceira do Projeto sampa.org na região.

Os Agentes de Coleta para Banco de Dados Comunitários foram preparados para realizarem coleta e publicação de dados para consolidar banco de dados comunitários, e já estão nas ruas do Jardim Ângela recolhendo as informações necessárias para um geoprocessamento do bairro. Os Agentes Comunitários de Notícias estão recebendo oficinas de redação, noções de jornalismo, fotografia, edição de textos, edição de imagens e, daqui até o final do ano, estarão elaborando e publicando na Internet um documentário sobre o cotidiano do bairro.

Os Agentes da Rede Pública estão sendo preparados para dar apoio à criação e gerenciamento de projetos comunitários na rede pública sampa.org. O programa de capacitação passa pela definição do que é um Agente de Rede Pública, pela compreensão do papel desse agente dentro da comunidade. Em seguida receberam alguns conteúdos específicos (Sociedade da Informação, Cidadania, Direito à Informação, Questões Racial e de Gênero, Reforma Urbana, História do trabalho, Educação ambiental, Economia Solidária, entre outros). Os conteúdos são desenvolvidos por meio de atividades que transpõem os temas para a realidade do bairro de Capão Redondo. A função dos agentes será identificar projetos comunitários que possam ser realizados na rede pública.

Acreditamos que a partir da aquisição dessas novas competências estes bolsistas tenham condições de se articularem, dentro de suas comunidades, para exercerem mais e melhor a sua cidadania. E, mais do que isso, essas atividades ampliam a função do telecentro em sua região: mais do que uma escola de informática, ele passa a ser peça fundamental no cotidiano da comunidade, passa a ser um espaço de exercício da cidadania e, mais do que capacitar pessoas para o domínio de um arcabouço técnico, transforma-as em agentes comunitários, que procuram soluções para a melhoria da qualidade de sua vida e de seus vizinhos.

O convênio com a Prefeitura: liberdade social, liberdade tecnológica

Desde o mês de julho de 2002, as entidades que abrigam os telecentros sampa.org e o governo eletrônico da Prefeitura Municipal de São Paulo firmaram um convênio que uniu as duas iniciativas de inclusão digital: a empreendida pelo sampa.org e aquela levada a cabo pelo poder público, que instalou vários telecentros pela cidade. Passou-se a planejar estruturalmente um novo modelo de implementação e trabalho tendo em vista a inclusão digital e a e-cidadania.

A partir do convênio, os dez telecentros do sampa.org passam a ter entre 10 e 20 terminais de acesso – dependendo do espaço disponível – conectados em rede a um servidor de acesso a internet, todos funcionando com o sistema operacional GNU / LINUX e seus aplicativos. O governo eletrônico e o IAE (Instituto Adventista de Ensino) darão capacitação e treinamento sobre este sistema operacional a todos os monitores e gerentes que cuidarão dos 10 telecentros antes coordenados pelo sampa.org.

Além disso, o governo eletrônico fornecerá os computadores, periféricos, mesas e cadeiras; uma ajuda de custo para o pagamento de energia elétrica, luz e telefone (incluindo conexão ADSL); divulgação e comunicação visual; e material de rede lógica e de escritório. Será também responsável pelo suporte e manutenção de todos equipamentos instalados nos telecentros.

As entidades e associações da sociedade civil cederão algum espaço disponível em suas sedes, sendo responsáveis pela limpeza e segurança do local; indicarão pessoas da própria comunidade para serem funcionárias dos telecentros, que exercerão as funções de monitoria e gerência. Também serão responsáveis pela compra regular de materiais de escritório, e deverão prestar contas de todos os gastos previstos e autorizados pelo governo eletrônico.

A rede de telecentros do município de São Paulo agora abriga, assim, telecentros com claros projetos de desenvolvimento local, compreendido de forma ampla: desenvolvimento social, econômico, político e cultural das comunidades envolvidas com o processo de inclusão digital. Afinal, foram telecentros formados no centro de um debate que defendeu abertamente que os telecentros mais flexíveis e, até por isso, mais eficazes, são aqueles que combinam o acesso às linguagens e equipamentos das TICs com uma utilização flexível e múltipla, determinada pela própria comunidade envolvida, e que os governos devem garantir condições para o funcionamento de Redes Públicas de Comunicação e Informação. Redes públicas não entendidas apenas como redes físicas, mas como um conjunto de atores, instâncias e processos, que processem informação e conhecimento, redes articuladas em um espaço virtual comum, um espaço acessível e interativo, uma rede emcampada pela sociedade civil de diversas localidades da cidade de São Paulo, promovendo o desenvolvimento das comunidades envolvidas.

Desenvolvimento político, à medida que a rede quer ser instrumento de comunicação da cidadania com a cidadania, da cidadania com o governo, e um instrumental para melhoria de qualidade de vida das pessoas e das comunidades. Cumprindo essa função de diálogo, facilitadora da construção e exercício da cidadania pelo fomento do diálogo, de troca de idéias e disseminação do conhecimento, de mobilização e de divulgação da atuação das atividades políticas de entidades e grupos organizados da região, a rede pública pode e deve contribuir para o fortalecimento e organização da sociedade local.

Desenvolvimento social, na proporção que o próprio Projeto sampa.org nasceu de uma articulação entre entidades sociais, ongs, instituições de ensino, sindicatos, enfim, atores sociais que se articularam em torno de uma iniciativa que se tornou uma realidade e continua a dar frutos, expandindo suas atividades e fazendo nascer novas formas de organização comunitária, fortalecendo um tecido social composto de elementos plurais, participativos, conscientes de vivenciar um novo espaço de cidadania.

Desenvolvimento compreendido em sua dimensão econômica, não partindo da idéia de que um telecentro deva obrigatoriamente ser gerador de renda, mas vislumbrando a capacidade de abrigar iniciativas individuais e coletivas locais que possam ser impulsionadas pelas novas tecnologias, abrigando cooperativas, divulgação e organização do comércio regional, das pequenas empresas, etc; enfim, o telecentro deve ser um espaço em que essas atividades encontrem ou expandam sua voz através da Rede Pública, ampliando seu público e/ou sua área de atuação.

Por fim, desenvolvimento cultural que se evidencia não somente pela utilização receptora de uma ferramenta que dissemina informações e conhecimento, mas principalmente pela capacidade de reconhecer-se em um veículo de comunicação, comunicar-se com sua comunidade, mostrar a todos que sua região também faz parte dessa cidade, e que possui um cotidiano marcado não só pelas dificuldades, mas também pela organização comunitária, pela participação política, pelos movimentos culturais nascidos ali no local. Esse processo de auto-reconhecimento e essa pequena voz erguida em meio ao grito uníssono da mídia tradicional são atitudes conscientes de inclusão, tentativas legítimas de participação social e política. Uma agência de notícias on-line; um mapeamento digital dos serviços públicos e sociais de bairros com alto índice de exclusão sócio-econômica e violência; uma bolsa de serviços para atender trabalhadores e empregadores da região; a divulgação de uma agenda de cultura e lazer em uma região excluída da vida cultural da cidade e que, quando realiza eventos locais, só pode contar com a divulgação boca-a-boca; grupos de hip hop e de outros gêneros musicais que são alijados do mercado, mas que na Internet podem expor a todos seus trabalhos e sua visão de mundo... Projetos nascidos das próprias demandas da população local e que caminham na velocidade permitida pela própria disponibilidade de tempo das pessoas envolvidas, um tempo pequeno e voluntário, mas já integrado ao dia-a-dia de cada um desses cidadãos.

“Cidadão” é uma qualificação que parece dar a medida exata do ganho sentido pelas próprias comunidades com os telecentros, conforme pôde ser verificado pelos dois anos de atuação do sampa.org. À medida que antigos e novos projetos comunitários ganham visibilidade na Rede, o aumento da auto-estima dos usuários e de sua sensação de fazerem parte da sociedade é visível. E esse talvez seja o benefício imediato da Rede, tanto na esfera individual como coletiva: pela primeira vez aqueles cidadãos reconhecem-se a si mesmos e ao seu mundo em um meio de comunicação. Vozes e gritos, lamentos e alegrias que finalmente encontram um canal de expressão. À vista de alguns, pode parecer pouco, pois não há a garantia nem mesmo a certeza de uma audiência externa, compreensiva. Mas é muito para o conhecimento de si mesmo e para a afirmação de uma visão de mundo de quem, a cada dia, por tudo e por todos, vive forçado a duvidar de si mesmo, de suas possibilidades, de suas esperanças.

Mais ainda: a possibilidade de publicar conteúdo na Internet, quebrando com o perfil médio de quem produz informação e conhecimento na rede, representa a ocupação efetiva de um espaço social, econômico e de comunicação. Traz uma capacidade de crescimento individual e coletivo e, ainda, a descoberta de um novo campo de participação social e de luta pelos direitos cidadãos. Assim, a luta pela universalização do acesso vai além da capacidade de adquirir e simplesmente reproduzir o conhecimento, mas busca alcançar a capacidade de operar com o conhecimento, interpretá-lo e transformá-lo, possibilitando a inserção na sociedade do conhecimento.

Um novo desafio

Assim, o sampa.org nasceu no espaço da sociedade civil, nasceu como um projeto-base para a instituição de uma política pública para o combate à exclusão digital na cidade de São Paulo, serviu de inspiração e modelo para os telecentros do governo eletrônico e, agora, como a fechar um ciclo, une os seus espaços públicos aos criados pela Prefeitura, levando a sua experiência particular de cidadania, levada a cabo em dez telecentros na zona Sul, à significativa rede formada pelo governo eletrônico. Com isto o projeto contribui para a consolidação do papel dos telecentros comunitários não apenas no projeto de inclusão digital da Prefeitura de São Paulo, mas também no contexto de uma necessária política nacional de inclusão digital.

Une-se também a uma das maiores redes de usuários de GNU/Linux em construção no mundo, o que representa um desafio para o projeto original, elaborado em torno de softwares proprietários. Estes espaços de aprendizado coletivo, de vivência comunitária e de prática cidadã perdem seu último limite, relativo à própria tecnologia utilizada. Antes os usuários, mais do que aprender o que era um editor de textos ou a Internet, os usuários aprendiam a criar sua própria expressão e a difundi-la para o mundo. Agora, a possibilidade de aprendizagem e criação ganha mais um grau de profundidade: o cidadão, em vez de aprender a utilizar um sistema e alguns programas, vai aprender o que é aquele sistema e aqueles programas, passando por um processo de aprendizagem que privilegia o entendimento e reflete sobre a essência do próprio meio tecnológico.