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Comunicação Comunitária no Século XXI

Professor Adilson Cabral

A utilização das tecnologias de comunicação pelas comunidades, no começo nos anos 70, era voltada para a propaganda de atividades e a divulgação de ideologias, a denúncia de arbitrariedades e para manifestar indignação contra o sistema vigente. Foi possível graças à disseminação do videocassete em formato doméstico, e dos primeiros modelos de câmeras de vídeo. Também eram comuns projetores de slides que exibiam audiovisuais em grupos de debate, para ilustrar um tema em destaque. [1]

A ‘grande imprensa’ era um elemento de fascinação e repulsa: se por um lado se criticava as grandes emissoras de rádio e televisão, por outro, esse próprio meio massivo era motivo de disputas, num tempo em que o fim do monopólio e do oligopólio dos meios de comunicação era uma bandeira de luta dos ativistas da área - pessoas e grupos que incorporavam a comunicação em suas atividades e reconheciam no sistema de comunicação do país uma força inibidora da plena expressão do povo brasileiro. [2]

Nesse contexto, o discurso pela democratização da comunicação tomava força, confundindo-se com a democratização dos meios de comunicação. Uma sutil diferença, mas muito representativa, já que implica numa atitude diferenciada por parte das comunidades e demais ativistas. No início, entendia-se que, para democratizar a comunicação, era necessária a existência de meios de comunicação democráticos. No final dos anos 80, com a criação do FNDC - Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, entendeu-se que era preciso “democratizar a comunicação para democratizar a sociedade”, adotando esse lema em suas atividades.

Em termos concretos, passou-se de uma fase onde o movimento de comunicação no Brasil concentrava seu esforço na aprovação de leis mais democráticas, para o desenvolvimento de ações de incentivo à produção por parte da sociedade civil - especialmente as rádios comunitárias e os canais comunitários de TV a Cabo - a partir de um amparo institucional (não mais as rádios e tvs livres e/ou piratas!) conquistado após sucessivas gestões junto ao governo e aos empresários.

Democratizar a posse, o controle, o acesso e a produção da comunicação no país passou a ser um desafio para a própria sociedade civil, em virtude dos espaços conquistados. Cada qual buscou sua solução específica (Lei de Radiodifusão de Baixa Potência e Lei de Cabodifusão), e continuam sobrevivendo, mesmo diante das limitadas condições de sustentação dos veículos existentes em todo o país.

Os grupos que atualmente se articulam em torno da comunicação como atividade-fim são basicamente produtores e/ou usuários das rádios comunitárias e canais comunitários de TV a Cabo. O FNDC se desmantelou em função de vários fatores, mas basicamente devido à enorme distância que separava o interesse e o conhecimento acumulado de seus ideólogos e as necessidades dos conjuntos dos movimentos sociais. [3]

Ao mesmo tempo, novas tecnologias entram no cenário, colocando a informática em papel de destaque. Num primeiro momento observa-se uma tímida utilização dos meios disponíveis, limitada a adoção de um endereço eletrônico e o domínio de alguns serviços, mesmo assim com acesso restrito a poucos iniciados. Mais tarde começam a aparecer ofertas de serviços, sediamento de homepages e listas de discussão. E se desenvolvem estudos sobre a configuração do mercado em relação às novas tecnologias. [4]

Já se aponta a convergência de sinais e suportes de áudio, vídeo e texto como a tendência do mercado para o século XXI e experiências pioneiras começam a surgir. Primeiro foram os vários arquivos e extensões de áudio e vídeo. Em seguida, os plugins para programas de acesso à INTERNET, e finalmente chegamos às rádios e TV digitais e seus diferentes formatos. A capacidade de compressão dos dados tornam o tamanho dos arquivos cada vez menores e rápidos em conseqüência. As novas tecnologias que possibilitam o aumento da velocidade dos dados via INTERNET também trazem a interatividade das diferentes mídias mais próximas a nós. E nesse contexto, muitas das reivindicações, impasses e desafios estão cambiando a olhos vistos.

Torna-se quase anacrônico falar em democratização do acesso e da produção dos meios de comunicação. A tecnologia existente já permite a produção e a distribuição de arquivos de áudio e vídeo numa velocidade razoável, muitas vezes já em tempo real. Quanto ao acesso, não resta mais dúvida que os computadores são componentes de primeira necessidade em casa e no trabalho, implicando em sua produção em larga escala, a preços cada vez mais acessíveis. Além disso surgem iniciativas em todo o mundo visando a democratização da informática, através de cursos e da doação de equipamentos para pessoas mais carentes.

“Superar a contraposição entre os poucos produtores e os muitos receptores”, afirmativa do jornalista alemão Dieter Prokop, que sintetiza essa etapa do movimento de comunicação no Brasil, torna-se um horizonte do passado, que já foi alcançado por nenhum esforço comunitário ou ativista, mas pelo próprio avanço tecnológico. Hoje, com a tecnologia acessível das rádios e tvs digitais, a utopia de produtores-receptores está potencialmente concretizada. 'Potencialmente' porque, apesar da tecnologia já desenvolvida, existem barreiras de várias ordens a se transpor para sua popularização: o predomínio da língua inglesa em computadores e programas de alcance mundial, a largura de banda e suas diferentes possibilidades de aproveitamento, o capital a ser aplicado e o empenho de cada país na concretização desse projeto etc.

Quanto à posse e ao controle dos meios, a situação é tão original, quanto interessante: a corrida pela disputa do mercado de informática e suas diferentes e imbricadas configurações não leva necessariamente a uma retração da produção. Pelo contrário, é exatamente de movimento, de novas e criativas idéias que o mercado da informática necessita para incentivar o interesse das pessoas por mais serviços, troca de informações, realização de negócios, lazer, passeios e trocas de informação de caráter informal.

As disputas quanto à adoção de um novo protocolo de comunicação, ou de uma linguagem de programação para elaborar determinada tarefa, em nada abalam a crescente utilização da INTERNET e a conseqüente diversificação e sofisticação dos serviços. Cassinos, shoppings, galeria de fotos, cursos a distância, atendimento virtual, serviços de tempo e condições da estrada, jornais e revistas virtuais ... atraem cada vez mais pessoas e patrocinadores para a INTERNET, adotando-a como ponto de encontro e opção de investimento.

Nesse sentido, colocam-se novos desafios para uma sociedade produtora-receptora de meios de comunicação: a qualidade e a quantidade de informação a ser disponibilizada, a articulação de grupos afins e desdobramentos efetivos desses grupos a partir de uma atuação na rede, ou o seu reverso: a censura a grupos que ameaçam o bem-estar da INTERNET, tais como extremistas políticos e incentivadores da pornografia infantil.

Esse novo instrumento de comunicação nos coloca frente a um novo projeto de sociedade que está se esboçando. As tentativas recentes de regulamentação do uso à INTERNET e as transformações ocorridas no campo da educação estão nos trazendo casos exemplares, que ressaltam a necessidade de uma melhor compreensão deste fenômeno que, pela primeira vez na história, impõe por si só as condições para um novo paradigma.

O Communications Decency Act foi o mais conhecido desses casos. Uma série de restrições ao acesso dos americanos à INTERNET, proposta por deputados e senadores conservadores nos EUA, que estimulou a deflagração de campanhas pela liberdade de expressão em todo o mundo, ultrapassando o limite da própria INTERNET, e se tornando tema para lobbies e discursos democratas.

No campo da educação, pedagogos de determinadas linhas teóricas incentivam o modelo da educação aberta, continuada e a distância, através de diversos métodos e técnicas. A INTERNET não é outra coisa se não o campo concreto para a realização desta proposta. Na World Wide Web temos acesso a vários assuntos de interesse, até mesmo a possibilidade de realizarmos cursos online, listas de discussão entre alunos de um determinado curso ou grupo de profissionais / pesquisadores, troca de arquivos de vários formatos ... utilizações que fazem da INTERNET uma grande universidade virtual.

Numa sociedade em que alunos muitas vezes se tornam mais capacitados que professores, em virtude da familiaridade com as novas tecnologias, o momento é de perceber essas mudanças e suas implicações, mais do que se referenciar por paradigmas que já caíram em desuso. A INTERNET rompe as fronteiras culturais impostas pelos Estados-nações, nos impondo uma nova postura em relação aos interesses do conhecimento humano, em todas as idades.

A metáfora que mais se aplica ao entendimento da INTERNET é a de um meio de comunicação. Mais do que a evolução dos aparelhos telefônicos, a INTERNET, no auge de suas possibilidades nos permite a criação de um novo meio de comunicação, que irá se impor à televisão e ao rádio, tornando-os mais convergentes (na medida em que se utiliza simultaneamente da linguagem escrita, sonora e visual) e interativos (cabendo a nós não só a escolha, como também a produção de seus programas).

Cabe a nós, profissionais de comunicação, o estímulo à disseminação desses novos formatos, cuja atribuição nos coloca diante de alguns impasses: Estará de fato a sociedade disposta a produzir comunicação e divulgá-la a seus pares ou sua vocação é a de ser receptora em sua maioria? Seriam as mídias digitais na INTERNET assunto de profissionais especializados ou haveria um meio termo onde determinados interesses levariam as pessoas a produzir também sua comunicação? Como será essa utilização dos três suportes em conjunto, do ponto de vista estético? Qual a influência das fábricas de computadores e programas, além dos governos, na produção e controle desse novos meios?

São perguntas que só o futuro dos acontecimentos poderá nos responder.


[1] Ver Revista PROPOSTA nº 43, SANTORO, Luis Fernando. A imagem nas mãos: o vídeo popular no Brasil. São Paulo, Ed. Summus, 1989, CABRAL, Adilson. Uma idéia na câmera, duas mãos na cabeça, (mimeo.) e Rompendo fronteiras: a comunicação das ONGs no Brasil. Rio de Janeiro, Achiamé, 1996.)

[2] LINS da SILVA, Carlos Eduardo. Muito além do Jardim Botânico. São Paulo, Ed. Summus, 1985

[3] Sobre esse assunto, ver o artigo "Democratizar a comunicação para democratizar a sociedade: um desafio, um mito", de minha autoria.

[4] Merecem destaque experiências pioneiras tais como o Alternex, primeiro provedor de acesso não-governamental, a BBS sobre Direitos Humanos e Cidadania criada em Natal e a Rede Zumbi, um ponto de presença da INTERNET, criada por ONGs da Bahia. Entre as pesquisas, destacam-se os grupos de Políticas da Comunicação e Economia Política da Comunicação, da INTERCOM.

Prof. Adilson Cabral
Professor da Universidade Estácio de Sá - RJ
Mestre e Doutorando em Comunicação Social pela UMESP - Universidade Metodista de São Paulo